quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um Conto de Natal

Caminhos. Vejo vários, mas para onde vou? (Para onde?)
Não quero continuar.
...                                                                                          Não Posso
Muita gente morreu, e foi por minha causa.
(?)                                       (Minha Causa?)
Talvez a culpa seja minha.
(Não é)                                      (Ou é?)                                                     (é).
O inferno começou com uma entrega.
A entrega começou o inferno.
(Mas quem entregou?)
O dia era 23 de Dezembro. Naquelas alturas a escola estava quase vazia, fui até lá para buscar minha lapiseira. Sei que é algo retardado, mas moro tão perto da escola... Além do que, adoro aquela lapiseira, “Mais de 100 000 cliques sem quebrar ou retroceder o grafite” dizia a capa (Não que eu fosse contar, mas enfim...) e, se a capa dava uma impressão fantástica daquele instrumento, quando comecei a usá-lo tive uma sensação melhor ainda, ponta de precisão que deixava marcas finas e consistentes e uma borracha convenientemente localizada na parte anterior do objeto que apagava qualquer coisa. Adoro aquela lapiseira. Sequer me lembro pra que fui buscá-la, mas sei que foi por isso que voltei à escola naquele dia. Como disse, a escola estava vazia com exceção do pessoal da limpeza. Entrei e fui direto ao meu armário, em questão de minutos já havia destravado e travado o cadeado novamente e montado em minha mountain bike. Dali, só era preciso contornar metade de um quarteirão e já estaria em casa (Disse que moro perto da escola), mas naquele dia específico decidi que pouparia 30 segundos da minha vida cortando caminho pelo parque que ocupava metade do bloco. (30 segundos, pois é)
Dada a data do ocorrido, não foi surpresa para mim que a praça estivesse vazia. Não. A surpresa real estava escondida em algo em cima de um dos bancos da praça.
Ela estava lá, sozinha e intocada. Uma bela caixa vermelha brilhante com uma fita dourada amarrada por cima dela. Ela tinha um cartão (Ah, aquele cartão), letras e borda douradas em um pedaço retangular de papel cartão, algo mais ou menos assim:



Estranhei aquilo, mas algo mais despertou junto com a estranheza. Aquilo despertou em mim Curiosidade (maldita).
Ah... se curiosidade matasse... (Ela mata, matou e matará)
Abri a caixa. Dentro, havia uma estatueta de ferro de um pequeno Goblin vestido como Papai Noel. Retirei-a da caixa, descobrindo que era absurdamente pesada para seu tamanho. Suas roupas eram feitas do que mais tarde descobri ser uma mistura de ferro e cobre que lhes davam um tom avermelhado, tudo feito à mão com muito capricho, mas o que chamava a atenção era a expressão do pequeno Goblin. Ele estava rindo, mas aquele riso não parecia natural, parecia algo desesperado, como se algo o estivesse aterrorizando. Aquilo começou a me angustiar, tive um ímpeto de jogar a estatueta longe e sair correndo, e quando estava a ponto de fazê-lo, algo no fundo dela me chamou a atenção. Um rubi do tamanho de um punho fechado incrustado na base reluzia à luz do pôr do Sol. Mas aquele rubi tinha algo mais... Não parecia estar simplesmente refletindo a luz do Sol, a coisa parecia ter um brilho próprio, como se algo dentro da pedra queimasse emitindo um círculo de luz. Para minha surpresa, conforme o Sol se punha, minha impressão parecia cada vez mais real e o rubi brilhava cada vez mais. Quando dei por mim, tudo em minha volta estava envolto naquele brilho vermelho.
Quis soltar aquilo, sair de perto, mas minhas mãos não respondiam. E a luz continuava a ficar cada vez mais forte.
Sentia que iria sufocar.
Cada Vez Mais Forte.
Senti minha garganta fechar.
CADA Vez Mais FORTE.
Quis gritar.
CADA VEZ MAIS FORTE.
GRITEI.
Escuro.

Acordei ali, no mesmo ponto onde havia parado minha bicicleta. Vou para casa. Alguém me diz que desapareci por três dias. Não lembro de onde estive. Levam-me para o hospital. “Perfeitamente normal” eles dizem. “Estresse” sugere um deles. Pareço o mesmo de antes, mas com a exceção de uma coisa. Nas costas de minhas mãos algo foi tatuado. Uma imagem que sempre me lembraria, mesmo que não estivesse ali. A cara daquele pequeno Goblin, para sempre em minhas mãos.
Volto para casa atordoado e confuso. Lembro de ter visto no jornal algo sobre três assassinatos ocorridos do outro lado da cidade. Todos aconteceram da passagem do dia 24 para o 25 até a tarde desse mesmo dia. Não me importava, agora queria voltar à praça e procurar aquela estátua, precisava saber se não estava ficando louco.
Procurei na praça e nos bancos, mas sem sinal dela, nem mesmo encontrei a caixa que a continha.
Antes que pude perceber, todos fizeram o que se espera numa situação dessas: Fingir que nada aconteceu e seguir com a vida.
Por quase um ano, realmente consegui seguir com a vida, até que no dia 23 de dezembro, quando entrava em meu quarto, percebi algo a mais ali: Ela estava lá. Olhando para mim. Dessa vez bastou o olhar, já comecei a gritar. A porta se fechou atrás de mim. Em desespero, tentei correr para a janela, mas antes de chegar a ela a luz me pegou novamente.
CADA VEZ MAIS FORTE.
Acordei novamente no banco da praça no dia 26 de dezembro. Dessa vez todos à minha volta começaram a achar que eu estava fazendo uma brincadeira sem graça com eles, decidiram que eu estava de castigo por um ano, “Para largar mão de ser idiota” disse meu pai. O jornal dizia que os eventos do ano anterior haviam se repetido, com nove assassinatos dessa vez.
O ano que se seguiu não foi tão normal quanto o anterior. Posso jurar que vi o Goblin por três ou quatro vezes olhando para mim nas esquinas e pela janela da sala de aula. Minhas notas começaram a abaixar no mesmo ritmo em que minha mente descia pelo ralo.
Chegamos ao fatídico dia 23 de Dezembro. Naquele ano meus pais decidiram que não tolerariam mais gracinhas e trancaram toda a casa. Erro fatal. Literalmente. Dessa vez, a estátua estava na cozinha. Pela terceira vez apaguei e acordei no dia 26 na praça próxima a minha casa. Dessa vez algo mais aconteceu. Dessa vez, dezessete assassinatos tiveram lugar em minha cidade. Meus pais e meus irmãos entre eles. Todos achavam que eu tinha tido o mesmo destino que os outros, ou seja, garganta cortada e “Feliz Natal” escrito à ponta de faca no tórax e abdômen. Não. Estava vivo.
Até então, não havia pensado na possibilidade daqueles assassinatos estarem ligados às minhas desaparições anuais, a polícia também não. Não soube explicar porque não estava em casa nos dias 24 e 25. Não soube explicar onde estive nesse período. Não soube explicar porque estava vivo.
Sem provas, tiveram que me deixar ir. Fui morar com meus avós em outra cidade. Agora, via aquele maldito Goblin cada vez mais e, alguns anos depois, comecei a vê-lo em todo lugar. Vejo ele agora, no canto da sala olhando para mim, esperando sua hora de agir. Claro que depois do meu quarto desaparecimento e de mais vinte e dois assassinatos da mesma forma terem ocorrido nos dias 24 e 25 de dezembro a polícia resolveu me prender e me levar ao tribunal. Culpado disseram.
Supostamente agora que estava preso, não poderia machucar mais ninguém, certo? É, também achei isso. Por isso, quando o Goblin apareceu para mim na pia de minha cela, me deixei ser controlado. Para minha surpresa, tudo ocorreu da mesma forma, acordei no mesmo lugar de sempre e cada vez mais pessoas eram mortas.

Fugi.

Faz treze anos que minha história começou, mas está na hora dela acabar. Hoje é dia 22 de dezembro, não vou deixar o Goblin me alcançar dessa vez. Dessa vez somente uma pessoa vai morrer.











CADA VEZ MAIS FORTE.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo


VII
Hoje fui ao enterro de um paciente. Ele se chamava Acácio.

Ele tinha um pouco de mim dentro dele.

Ele é uma pessoa que eu poderia ter sido.

Ele é a pessoa que eu teria sido.

Hoje peguei alguns textos antigos que escrevi e me lembrei do por que de minha profissão, para ajudar.

Hoje eu falhei.

Balada de um Menino Sem Ritmo

Balada de Um Menino Sem Ritmo


Coletânea de Textos de Acácio Cecil III
Inútil, imbecil, retardado.
Ninguém me entende.
Achava que as coisas se acertariam mais cedo ou mais tarde, mas vejo que estava errado. Tentei me aproximar, tentei mudar, mas ninguém quis me escutar. Ninguém quis. Meus pais continuam brigando comigo, mesmo depois de tudo aquilo, mesmo depois de várias sessões com Celso. Eles não querem me entender, é isso.
Na escola tentei falar com as pessoas, mas parece que tudo que vêem quando olham para mim é... Nada. Simplesmente nada.
Por que o mundo me detesta? Por que o mundo não me dá uma chance? PORQUE NINGUÉM ME RESPONDE? ALGUÉM!
Ninguém responde. Ninguém quer responder. Ninguém vai responder.


Cansei.

Balada de Um Menino Sem Ritmo


VI
Mais um dia nasce e com ele o sentimento que tudo vai continuar a mesma coisa finalmente começa a mudar. Faz tempo que não escrevo aqui, alguns meses na verdade, mas sinto que melhorei. Onde tinha parado mesmo? Nossa, faz um tempão mesmo, não é? Bom, acho que tenho que explicar como as coisas começaram a melhorar, diabos, acho que até consigo escrever melhor agora!
Bom, de onde parei estava sozinho e sem ninguém, não? Bom, não sei se agora posso dizer que “tenho” alguém, mas talvez “protótipos de posse”? Não sei se consigo me explicar muito bem aqui... Enfim.
Uma coisa que sempre gostei na minha escola nova é a ausência de trabalhos, nunca gostei de fazê-los, especialmente quando tinha que fazer cartazes, sim pode rir, não sei fazer um cartaz decente. De qualquer forma, fiquei sabendo que teríamos um trabalho a fazer sobre Machado de Assis, tenho que dizer, que cara mais CHATO. Seria nosso único trabalho do ano e contaria pontos para as médias finais de todas as matérias e sem chances de algum professor me deixar fazê-lo sozinho.
“Como arranjar um grupo?”, só pude pensar nisso quando ouvi sobre o trabalho. A escolha óbvia era esse cara, L, não é legal falar isso, mas como ele é deficiente tanto físico quanto mental as pessoas não falam com ele, muito menos fazem grupo com ele. Eu falo com ele... Às vezes... De qualquer forma... Aproveitei-me da situação dele, não é legal dizer, mas foi isso que fiz. Formamos grupo, mas ainda assim precisávamos no mínimo de mais uma pessoa. Foi aí que P surgiu. A história de P não é longa e não é complicada, só é... Imbecil, só. No começo ela era mais uma aluna como qualquer outra, nada de especial e nada contra, só as roupas que ela usava que, para dizer o mínimo, chamavam a atenção dos meninos da sala, até que certo dia em uma de suas brincadeiras habituais acertaram-lhe um pedaço de giz na cabeça, e em vez de falar com as pessoas que jogaram o giz ela foi para a coordenação. Pronto, fim da história, do nada ela conseguiu fazer com que a maioria da classe desenvolvesse um sentimento de repulsa por ela. E eu me aproveitei disso. Não acho legal falar dessas coisas, mas hey, não posso dizer que foi sempre o mundo contra mim, sei que também fiz coisas que não deveria ter feito, mas fiz. De um jeito ou de outro precisava me sentir melhor. Assim o grupo se formou. Depois do trabalho, L voltou a seu exílio, mas eu e P começamos a conversar. Nada muito profundo, mas pelo menos era alguém com quem falar. Aqui começou minha reabilitação à sociedade se assim quiser chamar. P não está diretamente ligada ao que vou contar a seguir, mas ela foi sim importante, ela foi responsável por me fazer acreditar que não precisava me isolar do mundo, que era possível viver ignorando certas coisas.
Dito isso, vamos ao que interessa. Aula de redação. Sempre achei essa a aula mais fácil, sempre teve facilidade para escrever, sempre acabei os textos cerca de meia hora antes de a aula acabar. Que surpresa, esse dia não foi diferente. Estava eu lá, lendo... Qualquer coisa quando acabei ouvindo a conversa da professora com uma aluna. A verdade é que sempre fiz isso, mas naquele dia em especial algum tipo de entidade baixou em mim e pulei na conversa. Honestamente sequer lembro do que falavam, sei que o sinal bateu, a professora se foi, mas ficamos conversando. Assim, P sai de cena e entra N. Aqui acabamos ficando um pouco mais íntimos. Sei que a lacuna foi de meras semanas, mas tivemos melhores conversas nessas semanas do que nunca tinha tido com P. Eu desconfiava de que N gostasse de mim, mas nunca arranjei coragem suficiente de perguntar, acabei esperando que outros perguntassem por mim.
Minha vida parece um filme de zumbis, quanto mais você pensa que aquela pessoa nunca mais vai voltar e que nunca mais vai vê-la, ela aparece como zumbi. Mais tarde vão entender essa comparação.
Dia comum, conversávamos como de costume quando um zumbi surgiu. A menina era do grupo antigo que havia se formado nos primeiros meses de aula, uma das únicas que ficou com “Ele” até hoje, aliás. Enfim, aparece o zumbi e faz a fatídica pergunta, “Vocês tão namorando?” Parece uma pergunta simples, mas é incrível o estrago que ela faz. Respondi como quem não quer nada um “não” seco, mas senti que N ficou meio... Estranha. Ela ficou estranha, ficou muito estranha, aliás. As conversas foram diminuindo o ritmo pouco a pouco, e acabei começando a conversar com as amigas dela. Eram quatro, mas nesse momento tenho que parar e explicar um ou outro ponto. Das quatro, eu conhecia duas de episódios anteriores, mas por algum motivo não havia falado com elas até então. Uma delas, Tha, havia feito crisma comigo. Nós conversávamos relativamente bastante, mas como não trocamos e-mail ou orkut ou qualquer coisa dessas, a amizade acabou junto com a crisma. A outra, Tu... Bem, sinto que essa é um pouco mais complicada. Que rufem os tambores senhoras e senhores, mais um capítulo de a vida patética de um nerd patético está prestes a começar! Episódio de hoje: Paixão Patética na patética terceira série. Nossa patética história começa num patético primeiro dia da terceira série. O pequenino nerd patético olhava em volta, procurando patéticas pessoas para serem seus patéticos amigos. Viu uma pessoa. Ela não era patética. Infelizmente, ele era. Não conseguiu se aproximar, pelo contrário, acabou indo para o outro lado da sala. Assim o nerd começou sua longa jornada de observação à distância, cada vez mais crescendo em si o sentimento de paixão platônica junto com aquela patética timidez asfixiante que lhe tirava qualquer chance de articular palavras frente a alguma pretendente. A mesma pateticagem que lhe rendeu sua primeira namorada também lhe rendeu o primeiro e patético fora. Sabe, escrever para ele era tão mais fácil do que falar... Na verdade ainda é, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que ele mandou um bilhete para ela onde ele explicava até onde uma criança de terceira série conseguia explicar o que sentia por ela. Ele lembra dessa cena até hoje. A escola tinha três pátios, um desses ficava ao lado de uma escada que levava ao único andar superior. Ele costumava ficar em baixo dessa escada observando-a, e nesse dia em que decidiu mandar o bilhete estava observando-a daquele ponto. Primeiro ela pegou o bilhete, olhando para a mensageira com cara de dúvida. Depois ela abriu o bilhete, curiosa. Sentiu o odor de coisa patética naquelas palavras, rasgou-o e jogou-o no lixo. Nosso pobre nerd patético ao ver aquilo sentiu... Sentiu a dor do primeiro e patético fora dado por alguém não patético. E aquela pessoa não patética que havia lhe dado o primeiro fora agora ressurgia ali à sua frente. Lembrava ou não lembrava? Tinha medo de perguntar, tinha medo de saber a resposta. Assim fingiu que não lembrava e continuou a vida. Não deixem de sintonizar na próxima semana para verificar mais um capítulo d’A Vida patética de um nerd patético! Esperamos-te lá!
É... Acho que isso resume bem... e lá estavam elas, mais em específico ela. Prometi a mim mesmo duas coisas, primeiro: Nunca tocaria no assunto da terceira série e segundo: Nunca deixaria que aquilo acontecesse novamente, não importasse o que acontecesse. Tentei me focar em outra pessoa, R, tentar me esquecer do que havia passado porque afinal já era passado. R era... Ou é... Bom, na verdade não sabia nada sobre ela na época, basicamente o que vi foi uma garota bonita com quem tentaria alguma coisa. Passei os meses finais de aula me perguntando como faria para falar com ela e como ela reagiria... Essas duas perguntas sempre me assombraram, mas um dia por esses sites quais querem da internet alguém me recomendou simplesmente que não pensasse, que na hora tudo seria colocado pra fora. Honestamente eu temia que “tudo” significasse meu fígado. De qualquer forma, decidi que falaria com ela. Mas quando? Meninas têm um sério problema que viria a descobrir: As malditas sempre andam em grupo, nunca se tem uma brecha para falar com uma delas a sós e se tal oportunidade ocorre, sempre é com a menina errada. Nesses tempos, por duas vezes acabei sozinho com Tu, em ambas me lembrei da promessa que havia feito, mas... Pois é... É uma merda como algumas meninas não deixam nunca de serem bonitas para certas pessoas, e no passo que a conhecia melhor, acabava gostando cada vez mais dela e menos de R. Mas não! Não podia deixar aquilo acontecer de novo.
Os dias passaram e o último dia de aula chegou. Era um dia de prova e finalmente minha chance surgiu. Chamei-a, engasguei, respirei. Perguntei se queria sair, tomar um sorvete, sei lá... “Não sei”. Essa foi a resposta dela. Disse isso e simplesmente se virou e continuou andado. Que diabos significa? Não sei! Será que quer dizer “Não quero te dizer não, mas... não” ou “Não é um sim, mas também não é um não...” ou mesmo “não sei”! Dúvida! Inferno, e agora? Que fazer? Que fazer...? Nada... Na verdade não sei... Não sei se devo insistir... Acho que... Acho que vou tentar outras opções...

Opções.


Que caralho, opções, quem quero enganar? Acho que gosto mesmo é da Tu... Mas... E agora?

Ah, acho que não vou mais escrever isso aqui... Não acho que tenha muito mais do que falar. Acho que vou guardar isso para me lembrar do que eu já fui um dia. Pra me lembrar de como não proceder na vida.



Celso Machiavel, 15 de Janeiro de 2009.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo

 CTAC II
“ Que é isso?” Ela pegunta. “Nada”, eu respondo. “Deixa eu ver” Continua. “Acho melhor não”. Ela lê. Diabos, eu disse que era melhor não ler... “Você sabe o que é isso? Isso pode ser uma daquelas coisas que os CSI descobrem na casa do assassino depois dele matar o inocente que passava na frente dele!” Me irritei. Nem sei o que falei, sei que não deve ter sido legal visto que ela começou a gritar mais ainda comigo. Piorou quando meu pai chegou. “Acho que ele deve ter algum tipo de problema” “Talvez tenha mesmo, mas o que vamos fazer?” “Podemos procurar ajuda, seu primo trabalha naquela... Instituição não é?” Não fiquei pra ouvir mais, não sei nem se tranquei a porta, pensando bem...
Agora estou andando por essas ruas, ainda está meio claro, os postes ainda não acenderam. Vou sentar aqui no meio fio um pouco... Por que as pessoas nunca ligam pra mim quando quero que liguem e não conseguem me deixar em paz quando eu quero? Que saco isso. Talvez um “eu” meu numa realidade paralela onde tudo acontece ao contrário seja a pessoa mais feliz do mundo. Ah... Essa realidade deve ser legal... As pessoas falariam comigo, eu teria várias garotas que gostassem de mim e pais que me entendessem. Que coisa, não é...?
Ta esfriando... Minha boca ta soltando fumaça até... Ah... Aonde eu vou agora? Não posso voltar pra casa, mas também não posso ficar aqui... Acho que vou ter que ir pro consultório do doutor Machiavel... Acho que ele não vai estar lá hoje, então não deve ter tanto problema assim eu ficar lá só um pouco.
Bom, acho que agora eu ferrei de vez com tudo, não é?
...
É.
...
Acho que vou acabar em um daqueles Hospícios tipo o de Arkham... Bom, talvez eu encontre o Coringa lá, haha... É, acho que não...
Hm, estranho, a luz ta acesa? Será que o doutor atende na parte da noite também?
Campainha.
“Que você ta fazendo aqui?” A secretária? O doutor ta aqui? “O doutor não atende na parte da noite, vim aqui... só pra... pra... pegar meu casaco.” “Quem é?” Tem mais alguém aí? “É meu namorado, nós íamos sair depois daqui” Posso ficar aqui um pouco? “Pode, só vou chamar o Doutor.”
O Doutor... O todo poderoso doutor que vem salvar o pobre e indefeso jovem das garras do mal, não é?

***
Ele me pergunta o que aconteceu, eu respondo. Ele fala algo do tipo “Não se preocupe, eles não podem fazer isso”. Ele diz que ele tem registros meus... Tudo se resume a esse momento, pessoal, agora é a hora de abrir o jogo, não é? Mas como explicar para sua mãe que você estava vendo um psicólogo sem que ela nem ao menos suspeitasse?
Ele me traz um café. O troço tem gosto de lama, mas é algo quente nesse frio chato. Ele fala que vai pedir para falar com minha mãe e que vai comigo de volta a minha casa. Acho que para ele sou um tipo de cachorro que ele precisa domesticar. Talvez eu seja mesmo.
“Quem é você?” Ela pergunta, ele responde. “Psicólogo? Meu filho não vai a psicólogo nenhum.” “Na verdade eu e seu plano de saúde discordamos de você...” e ele explica. Ela chora. Eu choro. Ele não. Ele fala. Nós escutamos. Ela entende... Isso sim é um milagre. Ele explica que pediu que eu escrevesse aquilo. “Válvula de Escape” ele diz. “Confissões” ela pergunta. “Desabafos” ele responde. “Inofensivos”, completa. Ela se convence, mas não muito. Mas se convence.
Tudo se acerta em termos. Continuo visitando ele para as consultas, mas agora ela virá em algumas.














Tudo






Se





Acerta.

Balada de Um Menino Sem Ritmo

V
Lá Lá Do Do Mi Mi Mi / Lá Lá Dó Dó Mi Mi Mi menor.
- Saco, o dedo escapou.
- Tudo bem, vai de novo. A música é sua, ninguém mandou trazer um troço desses.
Realmente, o trabalho é meu, mas que seja, vou conseguir tocar essa porcaria.
- Dia Perfeito... Pára na esquina e diz good-bye, Flutua como uma nuvem, she really Have a groovie...
-Tá, essa parte ta tranqüila, vamos ver aquele solo, sim?
Aquele solo... Incrível como solos podem ser muito mais fáceis do que a música em si. Que horas são...? 19:50, ok, mais dez minutos e tenho que voar daqui pra encontrar o pessoal.
- Você ta perdendo o ritmo, você só muda a mão esquerda, a direita não pode deixar o ritmo cair. Isso. Só não precisa esfarelar a palheta, pega mais leve aí.
- Certo.
Ritmo, ritmo, ritmo...

SHE’S GOT HER HALO AND WINGS, HIDDEN UNDER HIS EYES
- Droga, desculpa professor, é do consultório, tenho que atender. – Estranho, não era pra ter ninguém lá – Alô?
- Alô... Doutor? – Lu?
- Lu? Que aconteceu? Porque você ta no consultório?
- Doutor, aquele menino... Acácio, ele veio aqui e...
- Caco? Ok, eu vou pra aí já. Daqui a uns vinte minutos to chegando aí, falou. – Ok, que merda que aconteceu agora?
- Aconteceu alguma coisa?
- Ãhn, nada grave... Espero, é só um paciente que veio pro consultório e... Na verdade não entendi bem... Tem problema se pararmos por aqui hoje?
- Se é algo urgente, acho que não tem problema.
- Obrigado e desculpa, até semana que vem. – Guardar esses cabos e esse caderno de qualquer jeito aqui, a guitarra por cima e vamos lá. Cadê as chaves do carro? Ah, no meu bolso.

***
- Lu, que aconteceu?
- Eu vim aqui pegar o casaco que eu tinha esquecido e o menino tava aí na calçada. Achei melhor te chamar porque... Bom, o paciente é seu, né? Eu podia acabar falando alguma coisa errada ou...
- Ok, você pode ir, eu falo com ele.
Não enganemos ninguém, sim? Já sabia faz algum tempo que Lu vinha usando meu consultório como quartinho particular dela e do namorado, mas ainda não consegui provar nada, esse papinho de “Falar alguma coisa errada” é só falação pra ver se eu a deixo ir embora daqui, assim ela estaria contribuindo pra melhora do paciente indo embora. De qualquer forma, eu finjo que engulo a historinha barata e espero até instalarem as câmeras de segurança.
- Obrigadinha, doutor.
“Obrigadinha” o escambau... Bom, agora vamos ver o que acontece.
- Caco? Que aconteceu?
- Celso... Minha mãe me viu escrevendo minhas coisas e... A gente brigou... Ela leu e querem me mandar pra um tipo de instituição mental, nem sei o que é isso bem ao certo, mas no fim eu acabei fugindo...
- Ok, muita calma, para te internarem numa instituição dessas é nessessário que um médico que esteja te acompanhando solicite que isso ocorra ou que você mesmo o faça, acho que você não quer se internar e eu, como seu médico, não vejo necessidade de uma internação.
- Você? Mas ela não sabe que eu venho aqui e...
- Mas eu tenho seus registros aqui, se quiserem ainda posso apresentar meus pareceres para serem analisados por outro psicólogo e até mesmo por um psiquiatra, duvido que qualquer um deles veja em você uma ameaça. Agora... Que tal entrar um pouco e se acalmar? Eles devem estar preocupados com você, mas não sei se seria bom para você voltar agora, aposto que eles ainda estão bravos com você.
- Acho que sim, né?
- Pois é... Bom, entra aí, vou pegar um café pra você.
Pois é... O pessoal vai me desculpar hoje, não vai dar pra ir.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo

CTAC I
Acho que cansei. O mundo está cada vez mais indo pra um lado que eu não gosto, tem muita coisa errada aí e acho que estou me perdendo na maré. Cada vez mais sinto que estou virando algo que eu nunca quis. Cada vez mais sinto minha conexão com a realidade falhar. Me pergunto se vou virar esse tipo de gente que vemos em filmes que ficam em frente ao computador escrevendo esse tipo de coisa só pra tentar colocar os miolos no lugar. Na verdade quero mais é MANDAR TUDO À MERDA.

Balada de Um Menino Sem Ritmo

IV
5:50
E AS PAREDES DO MEU QUARTO VÃO ASSISTIR COMIGO
À VERSÃO NOVA DE UMA VELHA HISTÓRIA
Snooze
E QUANDO O SOL VIER SOCAR A MINHA CARA
COM CERTEZA VOCÊ JÁ FOI EMBORA
EU ANDO TÃO DOWN
EU ANDO TÃO DOWN
Alarm off.

Quinta feira. Como se fizesse diferença o dia, é sempre a mesma coisa. Sempre.

Calça.
Camisa.
Ôpa.
Camisa.
Desodorante.
Camisa.
Descer.
Bom dia.
Bom dia.
Café.
TV.
Mala.
Carro.
Escola.

Quinze minutos até a aula começar... Odeio esse tempo entre as aulas, é nesse meio tempo que vejo o quanto sou sozinho. Pessoas passam, passam e passam. Riem. Brincam. Conversam. Escuto. Ignoro. Enraiveço. “Ele” passa. Imbecil. Estudamos juntos por cinco anos, fui à sua casa, abri as portas da minha casa pra você, te contei coisas que jamais deveria ter contado, você veio até aqui por minha causa e agora nem olha na minha cara. Imbecil.
Outros passam.
Passam os minutos.
A professora chega.
K chega atrasado.
A aula começa.
K... Ele é alguém que machuquei. Sei disso. Ele sabe. Só não dizemos.
Não sei quanto vale X, mas na dúvida sempre posso chutar 1.
Por que fiz aquilo? Cansei de culpar os outros. Aconteceu no começo do ano. Sim. Nada tinha acontecido na época. Não. Era a primeira semana de aula ou algo assim. De alguma forma começamos a conversar, eu, “ele” e K. Engraçado foi que naquela semana K começou a andar conosco. Ele me irritava, não sei explicar. “Ele” se irritava. “Ele” sabia explicar, e não tinha medo de por em palavras. Passamos a ignorá-lo, simples assim. Sem nenhuma explicação, sem... Nada. Claro que ele entendeu o recado e acabou achando outro grupo, mas... Não foi justo. Nem um pouco justo, na verdade. Sei como se sente alguém quando outros fazem isso com ele. Sei muito bem. Talvez eu devesse pedir desculpas. Mas... Que isso adiantaria agora? Ele... Deve me odiar. Ele... Deve me chamar d’”Ele”. Não o culpo. Me culpo.
É, tenho que falar com ele, mas... O que? Não vejo como chegar e dizer “Oi, sabe aqulio que fiz com você no começo do ano? Então, foi mal aê!”, acho mais provável receber um belo soco merecido na cara e acabar piorando as coisas. Então... Como? Pensando bem... Será que remexer coisas antigas vai fazer bem? Será que não vou... Sei lá, acabar lembrando ele porque ele me despreza tanto? Será...
Será, será, será... Ôpa, que aula é essa? História? Mas não tinha física antes? Droga, não posso perder minha bolsa aqui...
Primeiro Triunvirato.
César.
Ditadura.
Assassinato.
Mas o que esse professor ta fazendo? Isso é o assassinato de César? Talvez ficasse melhor com os noventa senadores com punhais em vez de ficar botando gizes em baixo dos braços fingindo que são adagas, não?
Ok, foi engraçado.
Ainda prefiro o outro professor.
Intervalo.
Lá vão eles de novo, lá vai a manada pastar na quadra… Lá vai “Ele”. Fico eu e o grupo do fundo da sala no recinto. K está lá, junto com outros. Estão brincando de atirar uns aos outros no teto e… Ok, um deles bateu a cabeça no teto.
Acho que tenho que falar com ele.
Ele ta saindo.
Chamo por ele.
- Eu?
Ok, o que dizer? O que…
- Desculpa.
Que bom que pensei em tudo antes, hein?
- Desculpa?
- É… Desculpa pelo que eu fiz com você no começo do ano… Aquilo não… Não foi legal. Não mesmo.
- Ah, ok, relaxa.
É isso?

É, é isso.

Será que ele ficou com mais raiva de mim ainda?
Será que ele vai chamar o pessoal do fundão pra dar um jeito em mim na saída?
Será que fiz certo?

Burro. Pra quê preciso fazer esse tipo de merda?
Que barulho foi esse?
O sinal?
A aula acabou.
Ainda bem que vou andando pra casa, não suportaria ficar olhando para eles todos os dias… Os normais, quer dizer.
Bom, acho que não tenho muito a fazer agora.
Casa.
Sozinho.
Irmão.
Oi.
Oi.
Almoço.
Sono.
Hoje é quinta? MERDA, tem aula de inglês.
Pasta.
Gritos.
Correr.
Inglês.
Inglês… Acho que aqui é um lugar que me sinto menos… Sozinho. Gosto das professoras e dos colegas. São só quatro além de mim, não nos falamos fora das aulas, mas são legais.
Sei a maioria das palavras, mas não sei usá-las bem. Acho que isso não se aplica só ao inglês… Oh bem.
Casa.
Internet.
Pornografia.
Sofá.
Chuveiro.
… Chuveiro.
Cama.

***
5:50
YOU’VE GOT THAT PURE FEEL, SUCH GOOD RESPONSES,
BUT THE PICTURE HAS A MUSTACHE.
Snooze
YOU’VE GOT THAT RAINBOW FEEL BUT THE PICTURE HAS A BEARD.
Alarm Off.

Sexta feira. Lá vamos nós de novo.

Tudo de novo.
Escola.
Cadê minha apostila...? Será que ta aqui dentro do...?
- Oi.
Ãhn? Será que finalmente surtei e estou começando a ouvir coisas?
Não.
- Oi.
K... Ele nunca falou comigo depois daquilo... Será que isso significa... Será que isso significa que fiz a coisa certa?

sábado, 27 de novembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo


III
Um campo verde e aberto e um céu acinzentado... Isso é tudo que posso ver... Como vim parar aqui? Ei, onde estão minhas roupas? Que porra está acontecendo aqui? Vejo uma luz se aproximando à distância... ela vem cada vez mais perto de mim, até que para sobre mim... o que ela quer? O quê...? Estou sendo levantado do chão... Mas por quem? Pelo quê? A luz está chegando mais perto... Mais perto até que...
Escuridão. Abrir os olhos.
Sonho... Ah, que merda... Sabia que assistir “Marte Ataca!” comendo pacotes de minhocas de goma não iria me fazer bem... Que horas são? Meu próximo paciente já deve estar chegando. Será que Luana percebeu que eu estava cochilando no divã?
- Ãhn... Lu?
- Fala, “bem”.
- Qual o nome do próximo paciente, mesmo?
- Hmmmm... – Dizia enquanto procurava um nome em uma tabela que eu não conseguia ver devido ao monitor do computador que ficava ali – Acácio Cecil... Que nome estranho... Deve ser mais um malucão.
Óbviamente Lu não é das mais inteligentes, mas faz bem seu trabalho. Além do que ela alegra o ambiente, se entende o que quero dizer... Essa loiraça mais um pacote de bolachas dava pra passar o mês, haha... Se o namorado dela concordar, é claro. Ah bem, são detalhes, eu acho...
Hm... Vejamos isso aqui... Acácio Cecil, 15 anos, pais católicos, dificuldade em se expressar... Interessante... Aparentemente não quer que os pais saibam que ele estará aqui hoje... Falta de confiança nos pais, talvez?
- Doutor? Seu paciente chegou.
- Obrigado. – Incrível como ela nunca bate na porta, só vai entrando... – Olá, tudo bem? Sou o Doutor Celso Machiavel, você deve ser Acácio, certo?
- ...Olá. – Hmmm falta de expressão, óculos, pequeno sobrepeso... Talvez esteja aqui por causa de problemas na escola... – Doutor...
- Por favor, me chame de Celso.
- Celso... Sei que já disse isso para sua secretária, mas...
- Se for a respeito da confidencialidade de nossas consultas, gostaria que soubesse que tudo que disser aqui será exclusivo nosso, não preciso contar nada disso a ninguém, inclusive seus pais.
- Obrigado... – Ele parece aliviado, acho que acertei um ponto aqui.
- Então, quer alguma coisa? Água, suco...
- Não... obrigado.
- Bem caco... Posso te chamar de caco? Facilitaria muito.
- Acho que pode.
- Então, antes de tudo, queria saber porque você está aqui, óbviamente não foi obrigado por seus pais, então...
- Bem... Acho que posso explicar melhor por isso aqui – Disse tirando alguns papéis amassados do bolso do casaco – Outro dia comecei a escrever isso e... Bem, é isso aí.
- Hmmm... Se importa se eu ler isso um pouco mais tarde? Agora gostaria de falar com você cara a cara.
- Acho que não tem problema.
Comecei a conversar qualquer coisa com ele, na verdade não me importa o que ele fale, contanto que fale... Pacientes demoram um tempo para confiar em nós, psicólogos, geralmente demoram cerca de cinco sessões para conseguirmos chegar a algum lugar. Se todos entregassem uma fórmula pronta de seus problemas como esse aqui nosso trabalho seria bem mais fácil. Não consegui muito na sessão, mas por ser uma primeira sessão, já consegui até mais do que o normal. Vou ler essas coisas depois das minhas consultas de hoje, quando ele vier para sua próxima sessão já espero ter uma base melhor de como trabalhar com ele. Agora... Vamos preencher a ficha dele.
Nome: Acácio Cecil
Idade: 15
Descrição: Branco, moreno, pequeno sobrepeso, 1,71m
Situação:
Hmmmm pensando bem, acho melhor preencher isso depois de ler aquilo lá...

***
Bom, acabaram minhas consultas de hoje, agora vamos ver aquele paciente da manhã... O tal de Cecil... Bem, ele começa com o que deve ser um dos problemas que ele mais quer resolver... Vejo aqui problemas sérios de baixa auto-estima e talvez uma tendência à auto degeneração, mas não creio que realmente possa cumprir suas ameaças... Creio que após esses incidentes ele tenha criado um tipo de mecanismo que o impede de confiar nas pessoas, talvez assim ele ache que não possa mais se machucar com as pessoas. Isso é muito interessante, na verdade, ele está se ajudando e percebe isso, guardar essas coisas para si nunca é a melhor solução. Devo recomendar que continue com esse tipo de exercício.

***
- Então, caco, quer fazer alguma coisa? Essa é nossa quarta sessão, acho que você merece sair um pouco, não é?
- Acho que sim...
- Então vamos dar uma volta pelo bairro, sim?
O Bairro na verdade não tinha muita coisa, andamos pelas ruas e acabamos sentando em um banco de uma praça.
- Ei, agora que pensei... O que seus pais acham que você está fazendo quando vem para cá?
- Meus pais... Trabalham muito... Contanto que esteja em casa às sete da noite, que é quando eles chegam, não suspeitarão de nada.
- Mas vocês não conversam sobre o dia de vocês?
- Bom, eles até perguntam, mas eu falo “Foi normal” e eles não fazem mais perguntas.
- Entendo...
O garoto é legal... Pena que não tem tanta personalidade... Caramba, crianças podem ser tão más umas com as outras, não é mesmo? Imagino como não deve ser o dia desse moleque na escola...
- Celso?
- Sim?
- Me responde uma coisa?
- Vou tentar.
- Você já conseguiu descobrir por que eu sou tão fraco?
- Caco... Você tem que entender que é diferente você se sentir fraco e ser fraco, e se você quer saber, no fundo no fundo ninguém é fraco. Essas pessoas repetem tanto para si mesmas algo que acabam acreditando naquilo. Acho que não preciso te dizer isso, certo? Então, pensando nisso, devo te dizer algo que não é fácil de ser dito, mas que é necessário. Você, Caco, é fraco porque você decidiu ser. As pessoas até podem ter uma parcela de culpa, sei que têm e sei que também machucam, mas se você não se abrir para elas, elas vão continuar a te julgar por seu exterior, cara! E vou te falar, se você deixar isso acontecer, elas dificilmente vão te olhar de outra forma de novo! Não falo isso por mal, espero que você saiba que não, na verdade é justamente pelo contrário, falo isso porque quero vê-lo feliz de novo. Mais uma coisa, carinha, ninguém consegue ser feliz sozinho, porque a felicidade é algo que temos necessidade de compartilhar com os outros.
- Hm... Eu... Ok.
Merda. Porque falei aquilo? Fantástico Celso, fantástico! Por favor, fala alguma coisa! Nem que seja pra gritar “Há! Pegadinha do Malandro!”, mas fale, senão esse menino nunca mais vai voltar no seu consultório de novo!
- Ei, escuta, eu...
- Obrigado.
- Eu... Então... De nada.
Tá, que porra foi essa? Por favor, alguém me diz que estou no Topa Tudo por Dinheiro, eu acabei de gritar com ele e ele me agradece?
- Sabe, as pessoas sempre tentaram falar “suave” comigo, nunca ninguém foi tão direto assim... Não sei se concordo com o que você falou, mas agradeço o jeito como o fez.
- Ah, também não é assim, né? Não é possível que você tenha gostado de ter tomado bronca! Devo anotar Masoquismo no meu bloquinho também?
Silêncio.
- Foi uma piada, não precisa ficar chateado.
- Não é isso, é só que... É só que eu estou começando a me abrir com alguém de novo e...
- Sei que isso dá medo, mas não precisa fazer isso de uma vez, sabe, se quiser, pode me entregar aquelas suas folhas quando achar melhor, não precisa ser na ordem, nem precisa ser toda semana, quero que você se sinta confortável com o que estiver me entregando, ok?
- Certo.
Acho que consegui alguma coisa aqui, senhoras e senhores! Do jeito que vai, eu posso estar com o Marcus daquele filme com o Hugh Grant na minha frente! Caramba, qual era o nome daquele filme mesmo? Ah, não importa. A semente foi plantada, vamos ver agora se ela resolve dar frutos ou não.

Mudando de assunto, acho melhor passar no mercado, senão vou ter que comer a ração do meu gato pro jantar...

Balada de Um Menino Sem Ritmo


II
BURRO BURRO BURRO, TRÊS VEZES BURRO, IMBECIL! FRACO! POR QUE NÃO CONSEGUI? ELE ESTAVA LÁ... ELE ESTAVA LÁ... Ele... Ele... Merda... Não posso chorar... Não posso... Se minha mãe me vir assim ela vai... Eu vou... Não...

***
Ok, acho que me acalmei... Um pouco... Eu... Eu... Não pude. Estava com o revólver na minha mochila, com tudo pronto... Esperei até que todos tivessem saído... Sabe, a carteira dele tinha sido sumida e ele tinha ficado para procurar... Ele estava lá, eu estava lá... Fui tirar o revólver da mochila, mas... Acho que é o que eu sou e o que vou sempre ser, FRACO, SUBMISSO, VEGETAL. Talvez eles tenham razão, talvez... Talvez se eu arranjar uma torradeira... Sim, ou morder um cabo elétrico de alta tensão... Talvez... Cortar os pulsos é bobagem, nunca que conseguiria fazer um corte fundo o suficiente para pegar uma artéria e, mesmo que conseguisse, meu pulso estaria tão ferrado que não poderia cortar o outro... Me enforcar também não é opção, se eu errar o nó... Também não quero entrar em coma por causa de uma overdose de remédios, então... Quem sabe um dia não tomo coragem? Um dia, talvez...
Já que estou aqui, acho que podíamos matar o tempo conversando, não? Não? Ah, então vou falar sozinho.
Engraçado... Incrível como nos filmes o ato de se matar alguém pode ser tão simples, não é? Quer dizer... É só apertar um botão e puf, acabou, sem ressentimentos, arrependimentos e hesitações... Sem dor do lado de quem puxa o gatilho, é sempre a mesma história do mocinho que quer vingança contra o bandido do mal, não é? Ah, mas existem filmes que a tratam com a seriedade devida, Sonho de Cassandra é um deles... Fala de dois irmãos, um precisa de dinheiro para investir nos negócios de um amigo, outro precisa pagar dívidas de apostas e eles vão pedir a grana pro tio, o tio libera, mas com a condição de eles matarem uma pessoa que atrapalha seus negócios... No filme inteiro somente são disparados três tiros, mas esses tiros valem mais do que três milhões de tiros disparados em qualquer outro filme. Hm... Três tiros... Isso me lembrou da minha primeira namorada... Sim, já tive namoradas, ok? Não precisamos fazer circo sobre isso, né? Agora que penso, começamos a namorar na sexta série também... Poxa vida, que diabos a sexta série tem? Se eu conseguir lembrar de mais alguma coisa vão ser três acontecimentos na 6ª... 666... Mas aquele ano foi mesmo um inferno? Não, não mesmo... O nome dela... O nome dela começava com L e era bonita, sim... Cabelo e olhos castanho claros e “magrelinha” como minha avó dizia... Caramba, eu gostava dela... O que ela viu em mim, não me pergunte, se já não sou bonito hoje, antes era menos ainda, uns 50 cm a menos e uns 20 Kg a mais. Era aula de... De... Alguma coisa, nós dois estávamos trocando mensagens, vou transcrever aqui a parte final:
“Você tem namorada?”
“Não, e você?”
“Também não.”
“...”
“Você quer namorar comigo? []Sim []Não”

Primeiro tiro. Sempre dou risada ao lembrar disso, depois dessa última, pra responder eu rasguei o começo e o fim da mensagem, ficando só o “Sim” no papel e mandei pra ela, eis o que aconteceu:
“Sim o quê?”
“À sua pergunta”
“Então estamos namorando?”

Não sei por que, mas me pareceu inteligente entregar o mesmo papel rasgado escrito “Sim” como resposta... Acho que já não batia bem naquela época.
Nosso namoro, se é que pode se chamar assim, se resumia a escutar meu discman atrás da escola, enquanto esperávamos a perua escolar... Talvez pareça coisa meio retardada, mas eu amava aqueles momentos. Continuamos nessa mesma rotina por um mês, na data exata resolvi pedir um beijo (mesmo um selinho que fosse).
- Não, ainda não, quero ver se gosto mesmo de você antes.
Não fiquei triste, muito pelo contrário, dessa forma, sabia que no dia em que ela me beijasse, ela teria certeza do que fazia, que eu seria o “escolhido”, por assim dizer. Por uma ou dias vezes no mês seguinte ela pensou em me dar o fora (Segundo tiro), primeiro uma semana, depois três dias, mas no final continuamos juntos. Um dia, quando íamos para os fundos da escola, ela me pediu um beijo (sim, um beijo!) de despedida. Foi um simples encontrar de lábios, mas aquilo já foi suficiente para me deixar nas nuvens. Uma semana depois ela apareceu para mim com um anel de casca de coco que só cabia no meu polegar e não me deixava dobrá-lo, mas usava o anel mesmo assim. Chegávamos ao final de Agosto, e eu temia que aquele beijo tivesse sido um fato isolado que nunca tornaria a se repetir. Decidi ir à luta. Um passeio para o Hopi Hari foi o evento escolhido, ali eu tinha que conseguir no mínimo mais um beijinho que fosse. Logo que descemos do ônibus, dei um jeito de despistar o resto do grupo, mas não percebi que junto despistara-a também. É patético, sei disso, tragicômico, até, mas havia me perdido dos meus amigos e de minha namorada. Passei metade do dia tentando encontrá-la, até que finalmente consegui. Fato estranho foi que na hora em que a encontrei, ela começou a dizer como três pessoas diferentes haviam tentado seduzi-la e como tinha sido fiel a mim. Até hoje não sei ao certo por que ela me disse aquilo... Talvez estivesse me testando, talvez aquela fosse a verdade simples, talvez, talvez, talvez, decidi que existem coisas na vida que são melhores quando deixadas de lado. Depois do estanho relato, me chamou para irmos a um brinquedo chamado “A Montanha Encantada”, que basicamente consistia de um barco que deslizava sobre trilhos submarinos e com música alegre. No caminho tentei segurar sua mão... Senti um arrepio em sua mão quando a toquei, e três segundos depois ela me puxava, me fazendo correr até o brinquedo.
O dia chegava ao fim, depois de tomarmos uma bruta chuva na corria até o ônibus, vi ali que meu dia havia terminado, e que minhas esperanças por afeto haviam sido frustradas.
No caminho de volta conversamos, mas nada sério somente bobagens. Não me lembro de nada importante na viagem de volta, o que realmente importou foi a espera por meus pais. Como já disse, estava chovendo, e muito, então buscamos abrigo em uma cabine de segurança. Ali, ficamos olhando um para o outro e conversando... Conversando... Ah sim, outro detalhe para a tragicomédia, não sei como, não sei por que, mas a maldita cabine de concreto ficava constantemente me dando choques, então fiquei assim, conversando, olhando para ela e tomando choques, até que ela chamou por mim e projetou seu corpo para frente. Como havia passado seis meses e não havia conseguido nada melhor que um beijo simples, achei que era isso que ela queria, mais um beijo simples, imagine agora minha felicidade quando ela ordenou(sim, ordenou) que eu beijasse direito. Beijei. Ah, ainda lembro daquele dia. Frio e eletrocutado, mas feliz como o diabo, tinha certeza ali que a partir daquele ponto as coisas iriam melhorar, mas para minha surpresa simplesmente voltaram ao que era antes. Agora já estávamos na 7ª série, entre agosto de um ano e março de outro só vejo uma ocorrência digna de menção. Ficávamos nós dois conversando pela internet frequentemente, até que certo dia após um elogio ou outro ela disse que me amava. Sabia o que devia responder, o que a convenção mandava, mas não sabia se era isso que sentia por ela. Acho que fiquei cerca de um minuto sem responder, até que ela resolveu chamar minha atenção e acabei digitando as malditas palavras.
Também te amo.
Dessa ocorrência até março mastiguei essas palavras, pensava nelas todos os dias, olhava para elas e para ela e tentava olhar para dentro de mim. Novamente, depois de repetir incessantemente algo para mim mesmo, me convenci de que aquilo era verdade. Convenci-me de que a amava. Na verdade, Ela me convenceu de que a amava. Chegamos a março, maldito março... Dizem que março é um mês feliz, onde é quente o suficiente para andar na rua de camiseta sem uma blusa, se é quanto à blusa que reclamam, não vejo porque não estão certos. Bem, março parecia um mês como qualquer outro de tantos outros que o precederam, ao meu ver, as coisas não estavam perfeitas, mas não estavam horríveis também. Estava feliz. Talvez pudesse estar mais, mas para aquele momento, era o suficiente. Direto ao ponto, assim como seu começo, o término do namoro se deu por meio de uma mensagem. A mensagem era:
“Nerd gordinho, Não quero mais namorar com você porque está muito chato”.
Simples, direta, mas por algum motivo não doeu tanto quanto achei que deveria doer. Achei naquele momento que ela tinha razão, que realmente o que fazíamos mais se aproximava a uma amizade simples do que de um namoro. Na hora, aceitei. Teria ficado tudo bem, se não fosse o que aconteceu exatos cinco minutos após a mensagem ser entregue a mim.
Cinco minutos, esse foi o tempo em que ela levou para sair da classe e encontrar F (Terceiro e último tiro). Sim, F! Não pude acreditar, mas ela estava realmente tentando fazer com que ele namorasse com ela. Não preciso dizer que se já tive raiva naquele momento, “Ele” só ajudou a aumentar essa raiva. Não se preocupe, F não chegou nem perto de ter algo com ela que não fosse amizade, acho que o pouco que lhe restava de respeito a mim não deixou-o consumar os atos. Não fiquei tão bravo com F, mas sinto que não fiquei tão irritado quanto devia com ela. Bastou vê-la com F para perceber que sempre que estávamos juntos, F estava por perto ou em algum lugar que pudesse nos ver, que aquela semana e aqueles três dias foram as exatas datas em que F brigara com a namorada, que ela só me usara, que eu havia sido um marionete mais uma vez e não tinha percebido. Percebi tudo isso, mas não tive raiva, interessante, não? Acho que afinal o Amor que cultivei foi tão forte que não me deixou ficar bravo com ela. Hoje, a vejo online, depois que ela saiu do colégio, a vi outras três vezes, três aniversários dela. Um desses, sua festa de 15 anos, dancei em seu baile, mais tarde soube que ela havia convidado F primeiro, mas que ele não havia aceitado.
Às vezes quando acho que não posso ser mais patético sempre me lembro de algo que me faz perceber que sou mais ainda... Será... Será que se eu conseguir que alguém me ouça... Será que consigo deixar de ser tão fraco? Duvido... Por outro lado, escrever isso está me fazendo bem, quer dizer... Sinto que estou tirando pesos e mais pesos das minhas costas... Suponho que pior que está não pode ficar... Ok, falei sem pensar, comigo TUDO pode sempre piorar... Quem sabe... Talvez eu fale com alguém... Talvez... Mas... Quem?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo

I
Me apegar... Ta aí algo que acho difícil... Invejo como outros têm essa facilidade de manter vínculos com outras pessoas e seres, para eles é algo tão... Natural... Eu queria ser assim... Normal.
Sempre fui um menino tímido... Pelo menos é o que minha mãe me diz, segundo ela sempre fui recluso no primário, reclusão que se agravou durante os anos... Hoje estou no primeiro ano, se bem que sinto que devia ter repetido no mínimo duas vezes... Não estou reclamando, só apontando os fatos, você me entende, certo...?
Acho que me desviei um pouco do assunto, só quero que você entenda o que eu sou e espero que me diga por que sou assim, já que ninguém parece querer me ajudar.
Bem, antes de tudo, preciso explicar a razão de hoje eu ser um “vegetal”, como eles dizem. Ah sim, “vegetal”... Achei criativo quando vieram com essa, aparentemente para eles eu devo estar em estado vegetativo, já que não abro minha boca durante as seis horas de tortura contínua que chamam de dia escolar, acho engraçado que tenham tanto tempo para pensar em apelidos para mim sendo que nunca tentaram falar comigo... Talvez... Talvez tenha sido culpa minha? Talvez eu tenha sempre tido essa coisa dentro de mim que faz meu exterior parecer tão... Derrotado... Talvez... Talvez isso seja comum... Quem sabe não existe um menino igual a mim nos Estados Unidos? Se bem que acho que, se esse menino existe, ele já deve ter surtado e matado todos da sala dele com um rifle semi-automático e um palito de dente... Mas se for pensar em proporções, devem existir mais cinco na China e outros cinco na Índia... A diferença é que esses caras têm a opção de se juntar...
Quero ir pra china um dia, sentir o vento que deve soprar em cima da grande muralha... Quem sabe não encontro alguém que goste de mim por lá...? Acho que alguém em um país de alguns bilhões de pessoas deve gostar desse nerd gordinho aqui... Ah, falando em nerd gordinho, percebi que ainda nem comecei minha história, não é? Bem, vamos lá então.
De onde parei... vamos ver... ah sim, de como me tornei um vegetal (Tenho que lembrar de apagar aquelas coisas dali depois...).
Hmmm... Acho que posso começar a história da sexta série, foi esse o ano em que “ele” entrou... Não vou citar nomes, mas também não vou ficar encobrindo quem são essas pessoas, elas sabem quem são, quem sabe quando lerem isso não percebem o quanto podem foder com as pessoas... Há, essa é boa, até parece, não é? Enfim, era o primeiro dia da sexta série, nessa época eu já era tímido e recluso e tudo isso, mas não um vegetal, ainda não.
De qualquer forma, era o primeiro dia da sexta série e... eu já disse isso, não? É, já... bom, era o primeiro dia da sexta série, na época eu ainda não sabia, mas o primeiro dia naquela escola era só para alunos novos conhecerem o colégio, logo, nenhum dos meus agora ex-amigos tinha ido à escola naquele dia. Por capricho maldoso de seja lá quem vocês acreditam, sentei-me ao lado de um menino novo... Ele parecia com medo, não sei... Parecia estar esperando que alguém viesse e lhe desse um soco na boca... Ah, maldito seja aquele dia, se eu soubesse tudo que aquela criatura que se sentava ao meu lado me faria passar... É, provavelmente eu daria um soco na boca de um menino que eu nunca tinha visto na vida e fosse expulso da escola por... sei lá, xenofobia ou homofobia ou algo do gênero... Talvez eu devesse dar um soco na boca dele hoje, talvez assim quando ele dissesse que eu quebrei-lhe os dentes eu pudesse retrucar que ele quebrou minha vida... Bom, final da história: No final do dia eu tinha feito (argh...) amizade com ele. Na hora ele pareceu ser mais um cara legal e ok, continuemos com a vida, certo? É, achei que seria assim, mas não foi. Na época, éramos um grupo de cinco, seis contando com ele, e desses, tinha um em particular que era o meu melhor amigo... acho que vou chamar ele de amigo F. Por quê F? Oras, por que não F? F é uma letra simpática, uma letra legal, palavras como Flamingo começam com F. Quem não gosta de flamingos? Enfim, na época éramos sempre eu e F, quando tínhamos trabalhos em dupla, nunca pensava duas vezes, F era a escolha óbvia. Se você quer saber, acho que era isso que o deixava louco... De repente, ele começou a “apontar”, digamos assim, coisas sobre F, e de tanto apontar, eu comecei a acreditar nesses apontamentos... Fui idiota, sim, muito idiota... Idiota ao ponto de acreditar no que ele me dizia... O incrível foi que em questão de meses, já não falava mais com F e com metade do grupo original, pior ainda, quem restou do começo mudou, me atrevo a dizer que eu mudei. Temo que foi nesse ponto que comecei a perder minha inocência. Se você é um dos retardados que fará piadinhas do tipo “Ele tirou sua inocência, foi bom pra você?” já peço que guarde seus comentários inúteis para você. Bem, idiotas à parte e voltando à questão da inocência... Foi incrível a rapidez com que passamos de assuntos como jogos online e o novo filme da Disney para histórias mentirosas de perda de virgindade e sites pornográficos interessantes na internet, quer dizer, tínhamos doze anos, por Deus! Ok, talvez eu esteja demonizando “ele”, sei muito bem que a culpa não foi só dele, mas... Talvez eu esteja sendo injusto...? Talvez... Não, talvez eu esteja exagerando um pouco, mas sei que é verdade, sei que sim! Você acredita em mim, não é? Não é? Acho que sim... ou não, não sei.
De qualquer forma, ele sendo ou não responsável, o fato foi que eu e F nunca mais nos falamos e que nós mudamos. Mas agora que fica estranho... Não sei o que aconteceu, realmente não sei, mas outras pessoas também param de falar comigo, e isso foi acontecendo pouco a pouco, até que quando dei por mim, ele era meu único amigo. Confiei nele, contei-lhe coisas que nunca tinha contado para ninguém... E ele me traiu.
Tudo aconteceu quando passávamos para o ensino médio e eu decidi que aquele colégio em que estava simplesmente não era o que eu tinha de melhor e decidi mudar para outro. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que “ele” também viria comigo para o mesmo colégio? É triste, mas na época eu gostei.
O ano começou, pessoas vieram e foram, e quando percebi todos os meus amigos não eram meus amigos, eram amigos DELE! ELE escolheu meus amigos ELE manipulava minha vida, diabos, ELE até me incitou a virar homossexual! Se querem saber, temo que ele goste de mim, quem sabe até hoje... Quem sabe... Bom, continuando... Tudo correu como sempre corria até o fatídico dia em que ELE me chamou para conversar. Parecia normal, por mim estava tudo muito bem, até que ele disse as exatas palavras: “Ninguém mais daqui gosta de você” ele disse, “Você tem que mudar”, ele disse... Até tentei mudar de grupo, juro que tentei, mas SURPRESA, ELE se juntou ao grupo novo! Um grupo que ele SEQUER DIZIA OLÁ, e poxa vida, QUE COINCIDÊNCIA, uma semana depois ELE vem me dizer novamente, “NINGUÉM MAIS DAQUI GOSTA DE VOCÊ”. Foi nesse ponto em que eu decidi que não mudaria, que não é por causa DELE que vou mudar meu jeito de ser. NÃO! E, quer saber mais? ELE VAI PAGAR, VAI PAGAR SIM! Pois eu garanto, ISSO NÃO PASSARÁ MAIS UM DIA SEQUER SEM NENHUM TIPO DE PUNIÇÃO, NEM MAIS UM DIA EU DISSE!
Vou resolver
Vou Resolver
VOU RESOLVER
RESOLVER
REVÓLVER

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Noite Começa

"Traguei um bom gole de veneno. — Seja três vezes abençoada minha resolução! — Minhas entranhas ardem. A violência do veneno contrai-me os membros, desfigura-me, arroja-me ao chão. Morro de sede, sufoco, não posso gritar. É o inferno, as penas eternas! Vede como o fogo se levanta! Queimo-me, como convém. Vai, demônio!"
Arthur Rimbaud, Noite do Inferno.

Local onde postarei minhas histórias e coisas do gênero. Críticas são bem vindas.

O Ouro dos Condenados


O Ouro dos Condenados
I
William Stronghold entrou na delegacia de polícia com a placa de “Procura-se” na mão. O angorá velho que se sentava atrás da mesa o sondou. Calças de couro, camisa simples de algodão, um revólver em cada lado da cintura, chapéu de couro e pelagem salmão. “Interessante” pensou o velho.
- Dia – grunhiu o velho.
- Dia – respondeu o recém chegado – venho pelo emprego.
- Acha que dá conta?
- Acho.
- Mesmo sabendo que Johnny Jones é a causa de termos perdido os últimos cinco xerifes?
- Ele não me assusta.
- Pois devia... ah bem, se quiser, o emprego é seu.
Assim William Stronghold tornou-se o xerife Stronghold. As duas semanas que se seguiram foram tranqüilas, um par de arruaceiros e um roubo à mercearia de um siamês pacifista que se deixou ser assaltado por um adolescente com um pedaço de madeira e nada mais.
O dia nasceu preguiçoso, os raios de sol batiam em seus bigodes, dando-lhe a impressão de que bons ares viriam, trazendo, quem sabe, chuva àquele deserto depressivo.
Uma diligência vinda do oeste surgia no horizonte. Provavelmente mineradores bem sucedidos em sua busca por ouro no oeste que agora voltavam devidamente abastecidos com as riquezas que recolheram.
Obviamente, assim como ele havia falar daquela passagem que fariam pela cidade, outros também poderiam fazer e, por isso, plantava guarda em frente à delegacia, pronto para agir ao primeiro sinal de que algo corria errado.
Conforme as carroças se aproximavam, Stronghold examinava as tábuas de madeira da calçada e as construções de madeira ressecadas, pensando no quão frágil elas eram, como...
- Xerife?
Virou-se. Um pequeno persa puxava a barra de sua camisa.
- Tom?
- Quem são? Perguntava apontando para o oeste.
- Viajantes de longe... é melhor você ficar em casa hoje, garoto.
- Mas eu o David íamos até o poço brincar!
- Vão amanhã... Por hoje fiquem em casa, sim?
- Ah, mas... Mas... ta bom...
Observou o garoto enquanto sumia pela estrada ao mesmo tempo em que mantinha os olhos amarelos fixos na diligência.
Chegaram ao som de animadoras conversas sobre novas vidas e sobre como uma tempestade parecia se aproximar.
Quando pararam, dividiram-se em três grupos: um que se dirigiu à estalagem, outro para o bar e, o terceiro, para estacionar as carroças. O xerife decidiu escoltar o terceiro.
Seguiu-os até os fundos da estalagem, onde amarraram os cavalos junto a um bebedouro para clientes do edifício.
Conversou com o felino musculoso com sotaque sulista que liderava a excursão. Vinham de uma mina da costa e viajavam há algumas semanas.
- Temos muitas pessoas que não gostam dessa coisa de ferrovia, por isso decidimos vir por esta rota.
Compreensível, mas não aceitável. Viajar com carroças carregadas de riquezas com duas ou três armas no comboio era a mesma coisa que não protegê-las com nada.
Ao se certificar que de sua tocaia poderia ver ao mesmo tempo a rua e as carroças, voltou a montar guarda.
Quando o sol estava a pino, percebeu cavalos surgindo a leste e, com eles, cavaleiros sem honra e prontos para tentar seu grande roubo.
Os malditos chegaram altirando.
Alguns corriam para suas armas, outros para um lugar seguro, outros para um bom local para assistir.
Stronghold abrigou-se atrás de uma das carroças. O alcance dos tiros não chegava nem perto da distância em que estavam, por isso era melhor que a única munição a ser desperdiçada fosse a deles.
Esperou pacientemente até que entrassem em seu raio de ação e então saiu de seu esconderijo, acertando um tiro na cabeça de um deles e outro no tórax de outro. Eram cerca de onze homens... Injustiça para com eles.
Após estes dois, os outros nove dirigiram sua atenção para ele, que voltava a seu esconderijo anterior.
Tiros passavam por entre as tábuas da carroça e novamente o xerife esperou.
Quando pararam de atirar, cerca de setenta tiros depois, novamente saiu, acertando outros três antes que terminassem de recarregar.
- Parem com isso seus idiotas! Desse jeito vão ficar sem munição! Gritava o gato branco atrás do bando – já chega dessa brincadeira. Ei, você aí atrás! Já conseguiu provar que é machão, mas agora que tal deixar a gente levar isso e aí eu penso em não fazer um colar com a sua cabeça?
- Quer minha cabeça? Vem buscar!
- Hemp, Straight, vão por cada lado da carroça. Watson, por cima – sussurrava para os subordinados enquanto preparava uma banana de dinamite.
Os corsários aproximaram-se com cautela. Trocaram um olhar de aprovação e seguiram. Contornaram a carroça e...
Ninguém. Então, onde...
Um tiro atravessou o atirador em cima da carroça entrando pela virilha e outros dois nos respectivos peitos dos restantes antes mesmo que pudessem perceber o que acontecera.
Stonghold estava prestes a sair da carroça e voltar a seu esconderijo quando a dinamite passou voando e aterrissando ao lado da carroça. O xerife pulou agilmente para fora da carroça, distribuindo tiros e os recebendo.
Outros dois caíram, deixando o xerife e o líder cara a cara enquanto a carroça explodia, espalhando estilhaços para todos os lados.
Entreolharam-se, apertando os gatilhos ao mesmo tempo enquanto um pulava para a direita e o outro, para a esquerda.
Um tiro atravessou o lado esquerdo do abdômen do xerife, e outro o crânio de seu adversário, arremessando seu chapéu para trás revelando as orelhas pretas contrastando com a pelagem branca e com o vermelho do sangue que escorria de sua testa.
Silencio.
Enquanto alguns recolhiam o que sobrara de seus pertences, outros tratavam de despejar os corpos em local apropriado enquanto o xerife era atendido por um médico local, seu primeiro e, esperava ele, o único paciente daquela noite.
O sol se punha trazendo a chuva com o anoitecer. O xerife deitou-se, mirando o teto e tentando tirar sua atenção do ferimento. Os olhos aos poucos foram se fechando e então, adormeceu.
Gritos.
Acordou com um pulo na escuridão. O abdômen gritando de dor.
Luz entrava pela janela mostrando sombras correndo.
Espiou pela janela.
Casas em chamas, gente morta nas ruas, caos, confusão e ...
Uma cauda projetou-se por debaixo da janela. Stronghold segurou-a, puxando-a para dentro e revelando Tom, aterrorizado gritando.
- Tom! Ei, sou eu! Gritou tentando acalmar o garoto.
- Xerife? Você ta vivo! Disse abraçando-o – eles mataram minha mãe! Gritava encharcando as vestes do xerife.
- Eles? Eles quem?
- O demônio! O espólio do inferno! Johnny Jones veio pelo ouro!
- Jones... ?! Preste atenção, você vai ficar aqui e só vai sair quando eu vir te buscar, OK? Dizia enquanto colocava seu cinto e munição no revólver – fique com este aqui, e se alguém que você não conhece entrar, atire  - disse entregando um revólver velho nas mãos do garoto –vou resolver esta confusão.
O xerife pulou a janela, se esgueirando pela rua mal iluminada, dedos nos gatilhos prontos para a ação.

II
Corpos, corpos e mais corpos. Avalanches de corpos nas ruas.
Haviam três deles na estalagem onde Stronghold entrou. Examinava com cautela o amiente, os sentidos aguçados a ponto de bala. O térreo apresentava-se ausente de qualquer vida aparente. Arriscou um olhar pela janela dos fundos. Cinco vultos carregavam suas carroças com caixas das outras carroças que estavam a pilhar sob a luz do luar e da cidade em chamas.
A mira de seus revólveres apontaram para dois daqueles vultos malditos, lentamente apertando os gatilhos... Lentamente...
No momento em que o cão da arma estava prestes a descer sobre a traseira da bala engatilhada do primeiro revólver ouviu-se uma agitação vinda do andar superior, congelando e ao mesmo tempo retirando os dedos do xerife de sua mortal precisão.
Stronghold correu, buscando abrigo atrás de um sofá mofado encostado perto de uma das paredes, em um ponto de onde podia ver parte do sofá maior, perto da janela de onde viera e uma cabeça de alce pendurada na parede, deixando-o alheio à maior parte do aposento.
- Anda! Desce logo, sua puta!
Um gemido. Em seu esconderijo, o xerife só podia supor o que acontecia do outro lado daquele sofá. Provavelmente um dos pilhantes buscava algo mais além do ouro e parecia estar prestes a consegui-lo com alguma pobre coitada que não soube se esconder direito.
Outro gemido, seguido de vários outros enquanto uma perturbação mexia com o equilíbrio do sofá.
Quando os movimentos do sofá começaram a repetir-se, impondo certo ritmo macabro, Stronghold puxou da bota uma pequena faca de 15 centímetros e preparou-se para pegar o filho da puta quando vacilasse um segundo que fosse e pronto. Poucos segundos depois, quando a “diversão” chegava a seu clímax, o momento chegara. No exato instante em que o agressor levava a cabeça para cima e revirava os olhos o xerife investia contra seu pescoço, a faca cortando fora sua cabeça com estranha facilidade, como se tivesse perfurado gelatina envolta em papel.
A mulher gritava histericamente, mas dessa vez era devido ao corpo sem cabeça vazando areia no lugar de sangue em cima dela, ainda penetrando-a, apesar do fato de que agora começava a broxar.
Atônito, Stronghold examinava a cabeça decepada que tinha em mãos... Pelagem e olhos totalmente brancos e com pedaços de crânio aparecendo. Inferno, se não tivesse matado aquele demônio com as próprias mãos alguns segundos antes poderia jurar que estava morto há pelo menos seis meses!
A mulher correu porta a fora, peitos ainda de fora com as mãos tapando-os em um desespero frenético, soluçando e tropeçando nos corpos pelo caminho.
Não se preocupou em segui-la, tinha coisas mais urgentes e mais estranhas a tratar do que uma puta comida por ser estúpida. Voltou à janela, agora rezando para que aquela fosse a única daquelas coisas e que, caso esse não fosse o caso, que suas balas causassem algum efeito sério nelas. Dessa vez, só conseguiu distinguir três vultos sob o luar.
Três... Então onde estavam os outros dois? Será que seus olhos falhavam? Será que estavam nas carroças? Será que...
- Ora, ora, ora, que temos aqui? – Disse uma voz por trás dele.
Virou-se com um pulo. Duas daquelas coisas o encaravam, apontando-lhe um revólver cada uma.
- Cheia a rato, se quer saber. – Respondeu uma delas.
- Xerife, huh? – Dizia apontando a arma para o distintivo – Johnny vai ficar feliz em te conhecer.
- Que é isso...? Ah droga! Sharp, ele pegou o Whesker! Maldito... – Gritou a outra, examinando os restos da coisa há pouco morta... ou remorta... num mesmo eu sei dizer que termo se usaria para uma coisa dessas...
- Calma, Straight, calma... Tudo a seu tempo. Whesker era um retardado que não conseguia pensar com uma cabeça só e quando o fazia era com a errada. Agora... Seja cavalheiro e abaixe suas armas, sim, xerife?
Stronghold jogou os revólveres a seus próprios pés, na esperança de que algum deles viria recolhê-los e, quando um deles realmente o fez, percebeu ali que sua chance chegara. Assim que a coisa se abaixou, segurou-a pelo pescoço com o braço, puxando-a para cima no exato momento em que a outra abria fogo contra ele, acertando o escudo (humano?) improvisado e fazendo pequenos rios de areia brotar de sua pele.
Jogou a coisa-escudo em seu atacante pulando também em cima dele, caindo com ele no chão, socando-lhe a cara com ferocidade, arrancando-lhe o maxilar empoeirado com o impacto e terminando o serviço quebrando-lhe o pescoço. Poucos instantes depois percebeu que a primeira criatura, que julgava morta após receber três tiros no peito e na cabeça, começava a se levantar. Caminhou por trás dela e virou sua cabeça em 360°, deixando dunas de pó no chão.
Tropeçou.
Levantou-se, tudo girava ao seu redor, o abdômen vermelho de sangue. Sentia a luz fugindo de seus olhos e o ar entrando como navalhas em seus pulmões enquanto voltava a sentir a madeira do piso da estalagem em seu rosto.
Desmaiou.

***

-... para cima, idiota, já disse!
- Ok, chefe, ok!
- Capachos... Inúteis! Vou arrancar o couro de cada um de vocês e costurar uma merda de um suéter com eles! Vou... Ôpa! Que bom que acordou, senhor Xerife! Puxa, que trabalheira danada que você deu pra nóis!
Lentamente, os olhos do Xerife abriram e fecharam várias vezes, procurando foco e tentando se acostumarem com a luz. Assim que o fizeram, puderam localizar o que seria os restos dos fundos da estalagem. Stronghold estava amarrado em uma das carroças com quatro criaturas encarando-o seriamente.
- Sabe, xerife, eu e meus rapazes tínhamos um plano simples; vir, roubar, matar e cair fora, mas você tinha que meter o teu focinho né não? Cê tinha que dar uma de fodão né? – Falava a criatura mais à frente, com calças largas, botas, casaco de couro e chapéu. Olhou-o, um olho azul, normal, mas outro totalmente branco. Pelagem rajada em tons de cinza, preto e branco com um dos caninos quebrados – Ce quase bateu as botas, sabia? Quando os capacho te encontraram tinha mais sangue no chão do que no teu corpo! Veja só que coisa! Mas... Eu não ia deixa ocê se safá assim numa boa não... tu sangro três cabra meu... dois bons. Ah, mas não se preocupe, vo manda ocê pra se encontrá com eles logo logo... mas o gatinho aqui vai brincar um pouco com o ratinho que ele pegou.
Seja lá o que fosse, o Xerife descobriu uma coisa sobre Johnny Jones: Ele falava demais. Tanto que não percebeu que ele havia virado seu cinto para trás e havia conseguido cortar suas amarras com ela.
- Presta atenção em mim, ô caralho! To falando coôce! – Gritava enquanto acertava uma coronhada na bochecha de Stronghold.
Virou-se e cuspiu sangue que brotava do interior de sua boca. O líquido era muito diferente do normal, era grosso e, após cuspir pôde ver, muito mais escuro, quase beirando o preto.
- Não quer me ouvir? Tão ta bão... vamo começá. – Dizia enquanto empunhava um ferrete pronto para a marcação, exibindo um losango com um Y dentro e duas linhas paralelas, marcando o meio e o fim do Y vermelhos e exalando fumaça no ar noturno.
Um barulho de carne encostando na chapa quente se fez ouvir quando o objeto encontrou a testa do Xerife enquanto as coisas riam. Nesse momento, Stronghold atirou-se para uma das criaturas à esquerda, quebrando-lhe o pescoço e fugindo em direção à estalagem antes mesmo que alguma das outras entendesse o que ocorrera.
O líder gritava furiosamente enquanto os subordinados buscavam por suas armas.
- Maldito! Ah! Maldito! Vou fazer churrasquinho com as tuas bolas e depois jogar futebol com sua cabeça! Tão esperando o que, porra? Uma merda de convite da madre Teresa? Vão logo! Quero ele empalado na porra da entrada dessa cidade.

***

Os corsários entrariam na estalagem com suas facas em mãos. Stronghold escondeu-se atrás do balcão, tateando por algo que pudesse ser usado como arma e não conseguindo nada melhor do que uma tábua solta do chão.
Assim que a porta dos fundos rangeu, denunciando os atacantes que dali vinham, o Xerife atacou, acertando pauladas nas cabeças e colunas das coisas, quebrando-lhes os crânios e, por fim, os pescoços.
Deixou-as lá, inertes no chão.
Johnny Jones o esperava do lado de fora da estalagem. Tinha um sorriso em sem rosto.
- Bravo! Bravo! Muito bom! – Gritava enquanto batia palmas – Incrível, Xerife! Conseguiu! Quem diria!
- Ok, você enlouqueceu ou sempre foi assim? Não percebeu que matei todos seus companheiros?
- Loucura? Ora, o que é a loucura? Enfim... respondendo à sua pergunta, ela seria válida, mas você errou em dois pontos básicos: Primeiro, você não as matou, elas já estavam mortas e segundo, não passavam de marionetes, me recuso a ser colocado no mesmo nível que elas. Eram malditos bonecos, desprovidos de qualquer sentimento ou emoção que eu não queira que tenham. Escute... acho que ocê num percebeu ainda, né? Zóia eles de novo, vai. Acho que ocê vai sacar.
Fez como pedia Johnny, aproximou-se de um dos corpos. Já o tinha visto em algum lugar, sem dúvida... mas onde...? onde...? Ah!
- Percebeu, né? Ééééé, xerife, a gente não esquece dos rostos cujas vidas tiramos... Agora que você o fez duas vezes... Sabe, achei esse aí numa cova pertinho daqui... a terra inda tava fofinha fofinha quando tirei ele. Pobre Scott... Ele era um puto! Hah!
...
- Como sei que você o matou? É isso que você quer saber, não é?
Silêncio.
- Quando faço o que faço, posso ver tudo que a pessoa fez em vida... inclusive quem a matou. Interessante, não? Ah, quer ver outra coisa interessante? Reparou como seus trapos tão rasgados? Que coisa, não...? Ora, que é isso, não achou que tinha saído de uma luta contra dois homens armados com facas sem nenhum arranhão quando você só tinha uma faca, não é?
Silêncio novamente.
- Por quê não sente dor? Óia aí, mais um treco interessante... depois da minha mágica, a única dor que cê sente é aquela que te deu fim. Ah, vai dizer que isso não é interessante?
Mais uma vez, silêncio.
- Que é isso, não quer falar comigo? Então ocê vai escutá memo. Agora vai acontecê o seguinte: Cê vai dormi, e quando acordá, as carroça não vai tar mais aqui, meus cabra vão ter virado pó e eu vô ta bem longe. Sabe... eu ia mesmo te matá... mas pensei... alguém que consegue dar cabo de tanto cabra que nem você, que tem uma história que nem a sua... podia usar isso aí... eventualmente. Por enquanto tu ta livre... Viva sua morte enquanto pode, xerife. Viva sua morte.
Dito isso, Johnny girou junto com o mundo ao seu redor e tudo se apagou para o xerife, como se alguém tivesse apagado tudo, inclusive a Lua e as estrelas.
Stronghold acordou no dia seguinte, e, assim como Jones dissera, as carroças haviam sumido. Na cidade inteira, apenas um de seus habitantes sobreviveu, seu nome era Tom, agora órfão, foi acolhido pelo xerife e mais tarde seguiu os passos de seu tutor, hoje ele é xerife de uma cidadezinha não muito longe de sua antiga casa. Até hoje o pôr do Sol lhe dá arrepios.
William Stronghold aposentou-se alguns meses depois do ocorrido e hoje é dono de uma pequena mercearia na costa leste. Não passa um único dia sem que se pergunte quando o destino virá a seu encontro na forma de um gato rajado.
Mal sabe ele que esse dia não só está próximo, como esse dia é hoje.