quinta-feira, 31 de março de 2011

Não Pergunte Por Quem Os Sinos Dobram


Capítulo III – Aristogatos e queijo:
Todo mundo, todo mundo quer a vida que um gato tem...
Acordei naquele dia e saudei minha cidade, minha grande e maravilhosa cidade. Ah, Paris, se o céu for um milésimo do que você é... Ah minha torre, escolhi esse lugar para poder acordar todo dia e olhar para você. Como que não gostaram de você quando te construíram? Meu pai contava histórias de meus antepassados que viveram na época que a construção começou. Claro, as coisas eram mais difíceis naquela época, as pessoas não podiam se dar ao luxo de desperdiçar nem uma migalha de brioche e só podiam conseguir comida bem cedinho quando as peixeras voltavam com a leva do dia e nunca era garantida, mas eles conseguiam sobreviver, ah isso sim. Mais ainda, conseguiam viver essa maravilha que é nossa vida.
Nunca saí de Paris, minha família veio para cá de Portugal na época que Portugal ainda era um bom lugar pra se viver, vovô Pança me contou sobre como Dona Baja veio com seus donos em uma caravela até Calais e de lá seguiram viagem até o ponto onde vivemos até hoje.
Já passei por quase todas ruas e vielas e todos bares e confeitarias por quase quarenta quarteirões!
Conheço algumas pessoas que sempre me dão comida e de vez em quando até um pouco de leite, inclusive era isso que ia fazer aquele dia, só precisava ir naquele parque com um monte de plantas onde a garçonete me dava alguns pedaços de torta de tomate do dia anterior, mas eu tinha que tomar cuidado com os camburões e com aquele maldito labirinto, sempre me perdia naquela porcaria.
Reflexos de gato! Sempre esperto! Atravessar em 3, 2, 1... JÁ. Desviar do Ford, do Clio... MOTO! CORRE CORRE CORRE. Há, consegui. Ah, estou quase lá, posso sentir aqueles tomates murchinhos virando purê na minha boca junto com aquela massa salgadinha gostosa... Hmmm... Quase lá, quase...

- AH! MERDA! PUTA QUE O PARIU, GATO MALDITO, POR QUE TINHA QUE FICAR NA MINHA FRENTE? Merda, merda, merda... Eu vou... Descupa, cara, não foi por querer, eu... Eu não posso ficar, desculpa, pequeno... – Ele... me atropelou? Esse romeno doido, ele... Que é isso? Por que não consigo ver nada direito? Ai, por que não consigo ficar de pé? Isso é... Dor?
- Ah, tadinho, que fizeram com você? Não se preocupe, já vai passar, acredite, eu sei, dói bastante, né...? Hm... Eu... Já sei, vou te arranjar uma casa nova, que tal? Só preciso falar com meu ãhn... Tutor e... – Casa? Que é isso, eu sempre me virei sozinho e... Ai, droga... Tá doendo... Tá... Ué, que é isso? Tá ficando difícil respirar mas... A dor tá diminuindo? Será que ele fez a dor passar...? Será...?


Será que Lusco vai ficar bem?
***
- Morte, pode fazer um favor?
- Um favor?
- É... Será que você pode trazer aquele gatinho com a gente?
- Deixa ver se eu entendi, você está pedindo para um ser de poderes ilimitados e magníficos para pegar a alma de um gato de rua qualquer?
- Bem... É.
- Bem, não.
- Por favor!
- Não.
- Por favor!
- Não, já disse!
- Por favor! – Dizia puxando minha então calça colada na pele.
- Desgraça, se eu fizer você vai parar de encher?
- Sim, juro!
- Pft... Feito.
- Valeu mortinha, te adoro! – Me abraçou.
Interessante os pequenos caprichos dos que um dia já foram vivos, por mais que estejam longe do tempo em que respiravam ainda não perdem esses detalhes mínimos que fazem deles o que são. Será que tenho esses caprichos também...?
Que? Não, que é isso? Aqueles comprimidos não devem estar me fazendo pensar direito.
***
Um pequeno monólogo sobre a morte por Arthur de Leon.
Não tenho certeza como começar isso, só queria poder passar um pouco de minhas impressões, de minhas experiências enquanto mortal e de como as vejo agora como imortal.
Passei grande parte de minha vida indo a lugares, mas sabe onde gostava de ir? Ao metrô. Estranho? Não acho, alguns gostam de cinema, outros de teatro, eu gosto de metrôs. Gostava deles porque aqueles vagões eram os únicos lugares onde eu podia realmente olhar para a cara des pessoas, no meu trabalho era tudo tão monótono e monocromático que chegou a me dar enxaquecas. Nunca se conseguie pegar o mesmo vagão com as mesmas pessoas duas vezes, alguns são quietos, outros querem puxar conversa a todo custo, às vezes uma briga ou outra acontecia e a coisa ficava feia, às vezes duas pessoas se desentendiam e, para parar a discussão, uma delas cortava a outra e colocava fones de ouvidos. De vez em quando alguém passava vendendo balinhas. Na verdade nunca comprei nada, mas mesmo assim era interessante vê-los tentar me vender algo.
De tudo, o metrô só tem um problema, uma hora ele chega no ponto final, e lá você fica sozinho de novo.
Não importam as conversas, as brigas, nada, as pessoas vão embora. Simples assim.
No fim eu estava sozinho, mas acho que no fundo sempre estive, meus pais morreram quando eu tinha 14 anos e desde então meu avô cuidou de mim.
Ele me ensinou tudo que precisei para subir na vida, me deu uma boa educação, uma bela casa e me ajudou a construir tudo que eu sempre sonhei. Não, espera, me ajudou a construir tudo que ele sempre sonhou.
Ele morreu quando eu tinha 27 anos, a partir dali o mais próximo que tive de uma família foram B1 e B2, que não eram exatamente amorosos e íntimos meus.
Fato interessante que se fosse analisar minha vida quando ainda estava vivo eu diria que não poderia pedir por nada melhor, mas agora vejo que Lusco teve uma vida melhor que a minha. Que coisa, não? Descobri que invejo um gato de rua.
Enfim, não sei se disse tudo que queria aqui, mas paciência, qualquer coisa eu escrevo mais um desses aqui.
Bem, acho que é só.


Não Pergunte Por Quem os Sinos Dobram, Porque eles Dobram por Kiwi