sábado, 27 de novembro de 2010

Balada de Um Menino Sem Ritmo


III
Um campo verde e aberto e um céu acinzentado... Isso é tudo que posso ver... Como vim parar aqui? Ei, onde estão minhas roupas? Que porra está acontecendo aqui? Vejo uma luz se aproximando à distância... ela vem cada vez mais perto de mim, até que para sobre mim... o que ela quer? O quê...? Estou sendo levantado do chão... Mas por quem? Pelo quê? A luz está chegando mais perto... Mais perto até que...
Escuridão. Abrir os olhos.
Sonho... Ah, que merda... Sabia que assistir “Marte Ataca!” comendo pacotes de minhocas de goma não iria me fazer bem... Que horas são? Meu próximo paciente já deve estar chegando. Será que Luana percebeu que eu estava cochilando no divã?
- Ãhn... Lu?
- Fala, “bem”.
- Qual o nome do próximo paciente, mesmo?
- Hmmmm... – Dizia enquanto procurava um nome em uma tabela que eu não conseguia ver devido ao monitor do computador que ficava ali – Acácio Cecil... Que nome estranho... Deve ser mais um malucão.
Óbviamente Lu não é das mais inteligentes, mas faz bem seu trabalho. Além do que ela alegra o ambiente, se entende o que quero dizer... Essa loiraça mais um pacote de bolachas dava pra passar o mês, haha... Se o namorado dela concordar, é claro. Ah bem, são detalhes, eu acho...
Hm... Vejamos isso aqui... Acácio Cecil, 15 anos, pais católicos, dificuldade em se expressar... Interessante... Aparentemente não quer que os pais saibam que ele estará aqui hoje... Falta de confiança nos pais, talvez?
- Doutor? Seu paciente chegou.
- Obrigado. – Incrível como ela nunca bate na porta, só vai entrando... – Olá, tudo bem? Sou o Doutor Celso Machiavel, você deve ser Acácio, certo?
- ...Olá. – Hmmm falta de expressão, óculos, pequeno sobrepeso... Talvez esteja aqui por causa de problemas na escola... – Doutor...
- Por favor, me chame de Celso.
- Celso... Sei que já disse isso para sua secretária, mas...
- Se for a respeito da confidencialidade de nossas consultas, gostaria que soubesse que tudo que disser aqui será exclusivo nosso, não preciso contar nada disso a ninguém, inclusive seus pais.
- Obrigado... – Ele parece aliviado, acho que acertei um ponto aqui.
- Então, quer alguma coisa? Água, suco...
- Não... obrigado.
- Bem caco... Posso te chamar de caco? Facilitaria muito.
- Acho que pode.
- Então, antes de tudo, queria saber porque você está aqui, óbviamente não foi obrigado por seus pais, então...
- Bem... Acho que posso explicar melhor por isso aqui – Disse tirando alguns papéis amassados do bolso do casaco – Outro dia comecei a escrever isso e... Bem, é isso aí.
- Hmmm... Se importa se eu ler isso um pouco mais tarde? Agora gostaria de falar com você cara a cara.
- Acho que não tem problema.
Comecei a conversar qualquer coisa com ele, na verdade não me importa o que ele fale, contanto que fale... Pacientes demoram um tempo para confiar em nós, psicólogos, geralmente demoram cerca de cinco sessões para conseguirmos chegar a algum lugar. Se todos entregassem uma fórmula pronta de seus problemas como esse aqui nosso trabalho seria bem mais fácil. Não consegui muito na sessão, mas por ser uma primeira sessão, já consegui até mais do que o normal. Vou ler essas coisas depois das minhas consultas de hoje, quando ele vier para sua próxima sessão já espero ter uma base melhor de como trabalhar com ele. Agora... Vamos preencher a ficha dele.
Nome: Acácio Cecil
Idade: 15
Descrição: Branco, moreno, pequeno sobrepeso, 1,71m
Situação:
Hmmmm pensando bem, acho melhor preencher isso depois de ler aquilo lá...

***
Bom, acabaram minhas consultas de hoje, agora vamos ver aquele paciente da manhã... O tal de Cecil... Bem, ele começa com o que deve ser um dos problemas que ele mais quer resolver... Vejo aqui problemas sérios de baixa auto-estima e talvez uma tendência à auto degeneração, mas não creio que realmente possa cumprir suas ameaças... Creio que após esses incidentes ele tenha criado um tipo de mecanismo que o impede de confiar nas pessoas, talvez assim ele ache que não possa mais se machucar com as pessoas. Isso é muito interessante, na verdade, ele está se ajudando e percebe isso, guardar essas coisas para si nunca é a melhor solução. Devo recomendar que continue com esse tipo de exercício.

***
- Então, caco, quer fazer alguma coisa? Essa é nossa quarta sessão, acho que você merece sair um pouco, não é?
- Acho que sim...
- Então vamos dar uma volta pelo bairro, sim?
O Bairro na verdade não tinha muita coisa, andamos pelas ruas e acabamos sentando em um banco de uma praça.
- Ei, agora que pensei... O que seus pais acham que você está fazendo quando vem para cá?
- Meus pais... Trabalham muito... Contanto que esteja em casa às sete da noite, que é quando eles chegam, não suspeitarão de nada.
- Mas vocês não conversam sobre o dia de vocês?
- Bom, eles até perguntam, mas eu falo “Foi normal” e eles não fazem mais perguntas.
- Entendo...
O garoto é legal... Pena que não tem tanta personalidade... Caramba, crianças podem ser tão más umas com as outras, não é mesmo? Imagino como não deve ser o dia desse moleque na escola...
- Celso?
- Sim?
- Me responde uma coisa?
- Vou tentar.
- Você já conseguiu descobrir por que eu sou tão fraco?
- Caco... Você tem que entender que é diferente você se sentir fraco e ser fraco, e se você quer saber, no fundo no fundo ninguém é fraco. Essas pessoas repetem tanto para si mesmas algo que acabam acreditando naquilo. Acho que não preciso te dizer isso, certo? Então, pensando nisso, devo te dizer algo que não é fácil de ser dito, mas que é necessário. Você, Caco, é fraco porque você decidiu ser. As pessoas até podem ter uma parcela de culpa, sei que têm e sei que também machucam, mas se você não se abrir para elas, elas vão continuar a te julgar por seu exterior, cara! E vou te falar, se você deixar isso acontecer, elas dificilmente vão te olhar de outra forma de novo! Não falo isso por mal, espero que você saiba que não, na verdade é justamente pelo contrário, falo isso porque quero vê-lo feliz de novo. Mais uma coisa, carinha, ninguém consegue ser feliz sozinho, porque a felicidade é algo que temos necessidade de compartilhar com os outros.
- Hm... Eu... Ok.
Merda. Porque falei aquilo? Fantástico Celso, fantástico! Por favor, fala alguma coisa! Nem que seja pra gritar “Há! Pegadinha do Malandro!”, mas fale, senão esse menino nunca mais vai voltar no seu consultório de novo!
- Ei, escuta, eu...
- Obrigado.
- Eu... Então... De nada.
Tá, que porra foi essa? Por favor, alguém me diz que estou no Topa Tudo por Dinheiro, eu acabei de gritar com ele e ele me agradece?
- Sabe, as pessoas sempre tentaram falar “suave” comigo, nunca ninguém foi tão direto assim... Não sei se concordo com o que você falou, mas agradeço o jeito como o fez.
- Ah, também não é assim, né? Não é possível que você tenha gostado de ter tomado bronca! Devo anotar Masoquismo no meu bloquinho também?
Silêncio.
- Foi uma piada, não precisa ficar chateado.
- Não é isso, é só que... É só que eu estou começando a me abrir com alguém de novo e...
- Sei que isso dá medo, mas não precisa fazer isso de uma vez, sabe, se quiser, pode me entregar aquelas suas folhas quando achar melhor, não precisa ser na ordem, nem precisa ser toda semana, quero que você se sinta confortável com o que estiver me entregando, ok?
- Certo.
Acho que consegui alguma coisa aqui, senhoras e senhores! Do jeito que vai, eu posso estar com o Marcus daquele filme com o Hugh Grant na minha frente! Caramba, qual era o nome daquele filme mesmo? Ah, não importa. A semente foi plantada, vamos ver agora se ela resolve dar frutos ou não.

Mudando de assunto, acho melhor passar no mercado, senão vou ter que comer a ração do meu gato pro jantar...

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